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‘Japonês da Federal’ revela convívio com presos famosos e planos para futuro

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27/02/2018 – 10h30

Aposentado, Newston Ishii continua desfrutando da popularidade trazida pela Lava-Jato

Em 2015, poucos meses depois de aparecer na televisão escoltando o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró na Operação Lava-Jato, o agente da Polícia Federal Newton Ishii foi pagar a conta do restaurante onde tinha jantado, em Curitiba. Ao chegar no caixa, a fatura estava liquidada. Em seguida, os clientes das outras mesas começaram a aplaudi-lo e se levantaram para fazer selfies com o policial, que naquela altura já era conhecido como o “japonês da federal”.

— É uma coisa que não esperava. Só sei que fico feliz. Até hoje não entendo porque existiu o “japonês da federal”, vários colegas saíam nas ruas comigo. Talvez seja porque sou oriental e isso marcou. — disse Ishii, que pouco antes de ter a aposentaria publicada, nesta segunda-feira (26), concedeu sua primeira entrevista desde que ganhou fama nacional.

O agente da PF deu entrevista ao jornal O Globo no apartamento onde mora em um bairro de classe média de Curitiba. Com poucos móveis e paredes lisas, praticamente sem decoração, o local de cerca de 70 metros parece até maior do que é. A única foto que chama atenção é a da escalação do time de 1988 do Coritiba, que tem entre os mascotes o filho do agente, Eduardo, que morreu em quase 13 anos. Viúvo, é lá que Ishii vive com a filha e com o cachorro Zeca. Pequeno e peludo, o cão da raça llasa apso tem tratamento de casa de madame, com direito a banho toda semana e acessórios no pescoço, de preferência gravata ou um lenço. Quando joga uma bolinha para Zeca, o agente diz, batendo a mão na perna: “Pega para o vovô”.

Entre goles de café em uma xícara que estampa suas fotos escoltando presos como Marcelo Odebrecht, Ishii falou sobre os quase quatro anos em que atuou na Lava-Jato, a experiência de se tornar homem de confiança dos empresários que pararam atrás das grades e a vida de celebridade — com convites para frequentar áreas VIPs de shows sertanejos a camarotes das festas disputadas pelo Brasil, todos rejeitados.

— Como essa imagem [do japonês da Federal] foi criada, não queria aparecer numa festa e não tive vontade de ir — disse ele, que agora tem planos de quebrar o jejum e ir ao carnaval de Pernambuco no próximo ano. Sem admitir que pegou certo gosto pela fama, o agente destaca que “não é qualquer um que é homenageado com um boneco de Olinda”.

Ishii costuma compartilhar via celular algo positivo que aparece sobre ele, como a marchinha de carnaval “Ai, meu Deus, me dei mal, bateu na minha porta o japonês da federal”, que viralizou no final de 2015. O policial também chegou a presentear alguns amigos com camisetas estampando a letra da música e sua foto. Os pedidos para fazer selfies também o agradam. Mesmo nos últimos meses de 2017, quando deixou a chefia de logística e da carceragem da PF, função que exerceu a maior parte do tempo em que esteve na Lava-Jato, ele se orgulhava de ser assediado para posar para fotos quando aparecia na porta do prédio da polícia. À medida que a aposentadoria de Ishii chegava, porém, ele foi sendo afastado do comando. Com isso, diminuiu as visitas às celas onde estão os presos da operação e passou a ficar a maior parte do tempo na sua sala, cuidando de logística de escoltas e com poucas aparições públicas.

Apesar de gostar do assédio, Ishii também credita à fama situações difíceis que enfrentou nos últimos anos, como a acusação de vazar a delação premiada do operador Fernando Soares, o Baiano, quando ele estava preso na PF — o fato gerou um inquérito em que o agente foi investigado e absolvido. Ele também passou três noites preso e quatro meses de tonozeleira eletrônica em 2016.

Naquele ano, ao receber o mandato de prisão, Ishii ficou detido na própria sala, na sede da PF em Curitiba. No dia seguinte, foi transferido para o Centro de Operações Policiais Especiais (COPE), da Polícia Civil, onde ficou mais três dias sozinho. De lá, saiu com a tornozeleira eletrônica que usou por meses enquanto era o responsável pelos presos da operação de combate a corrupção mais importante do país. Ishii foi condenado por facilitação de contrabando na fronteira entre Brasil e Paraguai e chegou a ficar detido por quatro meses em 2003. Ele sempre negou as acusações.

— Eu me entreguei quando soube do mandato de prisão e fiquei dois, três dias preso. Depois fui para a tornozeleira. Não lembro quanto tempo usei, acho que uns seis meses — diz Ishii minimizando o episódio. No entanto, pessoas próximas ao agente relatam que ele ficou tão abalado com os acontecimentos e que devido a eles desistiu do mundo político, fato que Ishii nega.

O agente tem a mesma defesa desde os tempos em que foi preso, há um ano e meio: foi detido porque queriam prejudicar a Lava-Jato e ele personificava a operação. Pouco afeito ao assunto, diz que “essas coisas a gente tenta não guardar muito” e enfatiza que já enfrentou situações mais graves, como a morte do filho e da mulher. Ele se suicidou quando tinha 27 anos, em 2005, e a mulher, que se deprimiu com a tragédia, teve um infarto fulminante em 2009.

SELFIE COM FAMÍLIA DE PRESO

— Às vezes tem até família de preso querendo tirar selfie, é engraçado, me surpreende. Mas tudo bem, vou lá e faço —, diz Ishii, que se tornou uma espécie de confidente de boa parte detentos, como Marcelo Odebrecht, que chegava a fazer piadas com o policial.

O agente contou que a família de Marcelo “recebeu um outro homem após a prisão”. Segundo ele, quando o empresário chegou a Curitiba mal se comunicava com os demais, mas mudou o comportamento meses depois, passando a dar roupas, toalhas e utensílios de higiene pessoal para companheiros com baixo poder aquisitivo que passavam pela PF. Aficionado por exercícios, Marcelo sempre usava roupas justas quando malhava e era alvo de brincadeiras do japonês e dos colegas de cela.

A ligação de Ishii se estendeu a outros presos que chegaram a visitá-lo na sede da PF quando iam depor na Justiça Federal mesmo depois de soltos. Esse foi o caso do ex-vereador Alexandre Romano e do doleiro Alberto Yousseff, um dos primeiros detidos na Lava-Jato que teve contato quase que diário com o japonês da Federal nos dois anos e oito meses em que ficou preso em Curitiba. No entanto, alguns nunca chegaram a se aproximar do agente, como Cerveró, considerado por Ishii “o mais complicado”. Já o ex-ministro José Dirceu era chamado pelo chefe da carceragem de “preso profissional” e disciplinado. O ex-ministro Antonio Palocci, que ainda se encontra detido, também é um dos poucos que Ishii nunca viu perder o controle.

Homem de confiança de Rosalvo Franco, superintendente da Polícia Federal do Paraná desde que a Lava-Jato começou, em março de 2014, até o fim de 2017, Ishii estava aposentado há 11 anos, mas teve que voltar à ativa para cumprir mais tempo de serviço por uma decisão judicial que determinou que ele devia dois anos de trabalho. O retorno aconteceu no mesmo mês em que a maior operação de combate à corrupção foi deflagrada. Mas foi só na sétima fase, em novembro de 2014, que ele se deu conta da dimensão da investigação, quando 25 pessoas foram detidas, entre elas ex-executivos da Petrobras a alguns dos maiores empreiteiros do Brasil.

— No começo foi muito difícil porque tudo era desconhecido. Uma coisa é prender um traficante, um pedófilo, alguém responsável por desvio de recurso em quantias pequenas, a outra é lidar com pessoas influentes no país, políticos, o próprio presidente, então tudo é novo.

As prisões dos empreiteiros mudaram a dinâmica do trabalho Ishii à medida que a carceragem da PF, antes local de passagem dos presos, foi transformada em cela para abrigar aqueles que optaram pela delação premida. Encarregado de cuidar do local onde ficavam esses detentos, o policial conta que combinou com o superintendente de dar “tratamento humani
tário” a quem lá ficasse. Questionado se isso significava deixar entrar alimentos e utensílios proibidos em outras prisões, foi enfático:

— Não, não. Todo mundo acha que o preso chega e você tranca lá dentro. Tem que ter planejamento de horário de alimentação, banhos de sol, visitas, porque, poxa, são seres humanos. Eu não estava ali para julgá-los. Estava ali para que não criassem problemas entre eles e que não tivessem complicações. Imagina se um preso desses morre? — questiona Ishii.

Em uma ocasião, o agente chegou a contatar uma família para visitar um detento que estava com ideias suicidas. Ishii negou qualquer tratamento preferencial aos presos da Lava Jato na PF e afirmou que alguns produtos vetados em outras prisões entraram na carceragem porque a PF não tinha condições de fornecê-los, como travesseiros, cobertores, toalhas e materiais de higiene pessoal.

— Foi complicado, viu? Era muito consumo de papel higiênico. A custódia não foi construída para funcionar como prisão. Essa experiência foi nova para todo mundo — desabafou.

Apesar da versão do policial, detentos da Lava-Jato que já passaram pela carceragem da PF em Curitiba afirmam que lá a vida é melhor que em outras prisões. Entre os equipamentos disponíveis nas três celas que integram a chamada “ala vip”, onde ficam os delatores da operação, há micro-ondas, geladeira e televisão. As portas das celas também permanecem abertas permitindo que os detentos circulem no local. Quando cuidava da carceragem, Ishii costumava descer até o espaço pelo menos uma vez ao dia para ver os presos. As conversas rendiam piadas e momentos de descontração.

FUTURO

O japonês da federal nega que usará a fama para se candidatar a cargos públicos, apesar de ter sido sondado por mais de três partidos e de ser o nome favorito da categoria para disputar uma cadeira no Congresso. Em fevereiro de 2016, quando ainda cogitava se lançar à vida pública, chegou a fazer uma visita à Câmara dos Deputados e foi assediado por nomes como os deputados Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PP-RJ). Os planos caíram por terra com a repercussão negativa de sua prisão quatros meses após a vinda à capital federal.

— Não tenho [pretensões políticas], do fundo do coração. Talvez já tenha pensado de tanto as pessoas virem falar comigo, mas nunca me imaginei sendo deputado, por exemplo. Tenho convite para fazer palestras. Vou me dedicar a passar minhas experiências para outras pessoas. Não só as histórias da Lava-Jato, mas como minha vida de policial ajudou a enxergar o mundo de outras maneiras.

Ele conta que abrirá com um sócio uma empresa de consultoria e segurança, mas não quer detalhar o escopo de trabalho, possíveis clientes e prospecções. Representantes da OAS, empreiteira que tem Léo Pinheiro entre os sócios, um dos presos na carceragem de Curitiba, relataram que o executivo já falou sobre os planos do agente e manifestou interesse em contratar a empresa de Ishii para atuar na área de segurança do grupo. O policial não comenta o caso.

— Quero paz agora, só.

Ishii escoltando Marcelo Odebrecht

O japonês da Federal diz que agora agora só quer paz.

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