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Intervenção militar é última opção, diz Juan Guaidó, líder da oposição na Venezuela

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02/05/2019 – 16h03

Em entrevista exclusiva à Folha de S. Paulo, oposicionista afirma que processo para tirar Maduro pode ser longo

Um dia antes do aniversário de dois anos de sua filha, Miranda, de quem está separado há quase um mês, o líder opositor Juan Guaidó, 35, disse que não se importa com os sacrifícios pessoais que está sendo obrigado a fazer neste momento. “Estou com muitas saudades delas, mas agora a prioridade é a luta pela Venezuela”, disse, em entrevista à Folha, realizada em Caracas. Miranda está com a mãe, Fabiana Rosales, nos Estados Unidos.

A pedido de Guaidó, por questão de segurança, o local onde a entrevista foi concedida não pode ser revelado. O oposicionista estava de bom humor, risonho e vestia terno. Tinha acabado de ter uma reunião e teria outras mais. Guaidó negou que a tentativa de pressionar Nicolás Maduro na terça-feira (30), que começou com um vídeo convocando as Forças Armadas, tenha sido uma derrota. O líder oposicionista afirmou que está consciente de que o processo pode ser longo e que Maduro está cada vez mais isolado.

Sobre a última terça-feira (30), o que vocês esperavam que ocorresse em comparação com o que de fato houve?

Tivemos muita mobilização de gente na rua, mas a ditadura não caiu, e Leopoldo López teve de pedir abrigo na embaixada da Espanha [está como hóspede, não como asilado, por tempo indefinido]. O que esperávamos é o que esperamos todos os dias, uma transição ordenada para a democracia.

Sabemos que somos maioria e que só nos falta exercê-la, construir as capacidades necessárias para ir à transição. Há um elemento fundamental nesses processos de sair de uma ditadura para a democracia que é a adesão das Forças Armadas. Na terça, houve várias e importantes adesões que nos permitiram realizar o ato e estimular novas ações, que estão ocorrendo todos os dias.

Estamos falando com os oficiais há meses, mas já foi mais difícil no passado, devido à perseguição contra nós, pelos medos internos no próprio Exército, porque se prenderam muitos oficiais e estão perseguindo outros. Mas sinto que nossa mensagem está sendo ouvida, o estado de ânimo das Forças Armadas é de mudança também. Na terça-feira, queríamos fazer pressão e conseguimos.

Mas você não esperava que houvesse mais adesão militar e de oficiais de mais alta patente?

Mais militares vão se juntar, estamos conversando, lamentavelmente não ocorreu de uma vez nesse dia, o que causa certa frustração, eu sei, porque há muita expectativa de um desenlace feliz. Mas foi um gesto nobre o desses militares que aderiram, que foram às ruas,l e sabemos que haverá mais.

Você diria que o que tentaram foi um golpe?

A tipificação está aberta à interpretação, mas, para nós, pela Constituição, eu sou o presidente encarregado da Venezuela, portanto esses militares que estão comigo agora são militares leais à Constituição. Para mim, um golpe de Estado só seria possível se eu fosse preso. Foi uma rebelião pacífica.

Como foi a saída de Leopoldo López de sua casa, onde estava em prisão domiciliar? Como vocês a planejaram?

Não foi necessário planejar muito. Eu, como presidente encarregado, lhe conferi um indulto, e os agentes do Sebin [serviço de inteligência da ditadura venezuelana] acataram. Boa parte do Sebin já está contra Maduro. Para que se veja como a autoridade dele está, sim, muito debilitada. Leopoldo saiu sem dificuldades de casa.

Mas vocês esperavam que, no fim do dia, ele tivesse de pedir abrigo numa embaixada?

Novamente, a expectativa era construir a transição [risos]. Vai tomar um pouco mais de tempo, mas para mim já é um fato. Há insatisfação nas Forças Armadas? Sim, é óbvio. É o suficiente? Não. Por isso vamos seguir. Leopoldo tem a mesma convicção.

Tem havido repressão dura nesses últimos dias. Como vocês dois avaliam isso?

Nós não queremos confronto. Depois de chamar os militares, da base de La Carlota, nos demos conta de que esse era o contingente que havia sido possível convocar nesse dia. Fomos até a praça Altamira para nos manifestar pacificamente, junto com esses militares que nos acompanharam.

Não queríamos confronto, não buscamos isso, e não houve. O que, sim, houve, foi repressão da ditadura. Ficou muito claro que não queremos uma confrontação violenta, pelo contrário. A ideia é ir somando cada vez mais gente a esse processo, nem que tome tempo.

A repressão, principalmente na quarta-feira (1º), tem sido brutal. Já há quatro pessoas mortas, inclusive foi possível ver a Guarda Nacional Bolivariana atirando contra pessoas que não ofereciam nenhum risco, que se manifestavam desarmadas. Isso não vai contra seu argumento de que Maduro está debilitado?

Esse tipo de atuação repressiva é a única coisa que o regime tem hoje. Eles tentam demonstrar um controle que não têm. Por isso reprimem, e de forma focalizada. Não houve repressão em muitas das concentrações, mas houve naquelas que eram mais emblemáticas e com mais atenção midiática, como a região de La Carlota e Altamira.

Ao todo, no país inteiro, tivemos 97 locais de concentração. Só em 25 houve esse tipo de repressão, que é muito sádica. Era para mostrar um controle que não têm, contra cidadãos que apenas estavam manifestando um desejo de mudança.

Nós conseguimos esse poder de convocação sem poder falar em nenhum meio de comunicação nacional. Desde que comecei, não dei uma entrevista, não me fizeram nenhuma reportagem em televisões e jornais daqui. E mesmo assim nossa mensagem está chegando longe a ponto de mobilizar tanta gente em questão de horas apenas com um vídeo divulgado pela internet.

Isso mostra que a ditadura está fraca também em seu poder mobilizador pelos meios de comunicação. Eles têm todos os meios tradicionais na mão e não conseguem mobilizar gente como nós.

Ainda assim, se o processo for muito longo, você acha que as pessoas continuarão nessa intensidade de apoio? Em 2017, a oposição ganhou muito respaldo por meio de protestos de rua, que duraram três meses. Mas, ao final, com a Constituinte aprovada e cerca de 130 mortos, as pessoas se cansaram e entraram num modo de resignação.

Estamos em 2019. Há anos viemos construindo esse processo. Ter percorrido o país, os países da região, formando maiorias, foi um trabalho muito importante. Em 2007 começamos, em 2014 continuamos, em 2017 houve esse momento que você mencionou, e sempre houve repressão, mas sempre seguimos.

Hoje a ditadura está mais frágil, há menos lealdades, mas é porque persistimos. Sim, um cidadão pode se cansar por um tempo, mas seu descontentamento com a situação seguirá, e ele voltará às ruas, enquanto não tivermos eleições livres novamente. Pode haver altos e baixos nas mobilizações, mas seguiremos sendo maioria.

É preciso entender que enfrentamos um regime que não duvida em assassinar jovens, que não se importa que as pessoas estejam comendo do lixo, que muitas cidades não tenham luz. É uma ditadura sanguinária e sádica. Evidentemente não vai ser simples.

O que há de verdade sobre as declarações do secretário Mike Pompeo (EUA), que afirmou que Maduro esteve a ponto de subir num avião, mas que os russos não teriam deixado?

Sobre esse episódio, concretamente, não sabemos muito, estamos investigando. Sabemos que havia um avião militar estrangeiro na pista de La Carlota naquele dia e que depois decolou com destino à República Dominicana. É um indício, mas mais do que isso não sei dizer se o resto é verdade.

Como avalia o apoio do Brasil? O senhor tem falado com o presidente Jair Bolsonaro?

Falei com o presidente Bolsonaro na terça-feira. Ele se mostrou muito preocupado com a situação e pronto para colaborar para o reestabelecimento da democracia. Muita gente vê isso como um tema ideológico, mas não é. Aqui estão em jogo valores fundamentais, o direito à vida, os direitos humanos, a democracia e a liberdade.

No caso de que Maduro saia logo, qual a perspectiva para as eleições?

Isso já está estabelecido pela comissão da Assembleia Nacional que está estudando isso. Avalio que, uma vez que termine a usurpação, entre seis e nove meses depois estaremos prontos. É preciso eleger o novo conselho eleitoral, reestabelecer os direitos a votar dos perseguidos políticos e dos venezuelanos que estão no exterior, e aí sim, ter uma eleição livre e democrática.

O chavismo participaria?

Sim, como todos os partidos.

Dentro de seu partido [Vontade Popular], há dois nomes fortes. Leopoldo López, que sempre se apresenta como o mais provável candidato, e agora seu nome também ganhou força. Quem seria o candidato: Juan Guaidó ou Leopoldo López?

Nós vamos decidir quando for o momento. Ao contrário do que se anda dizendo, não há problemas entre nós, estamos em perfeito alinhamento.

Como está sua vida pessoal? Você tem atividades intensas todos os dias, sua mulher está fora do país, você dorme cada dia em lugares diferentes. Aliás, quantas horas têm dormido?

Cerca de seis horas. Seis horas de sono são suficientes. Minha mulher e minha filha estão no Arizona. Ela está muito ativa conversando com a comunidade venezuelana fora. Amanhã é aniversário de minha filha. Claro que tenho muitas saudades delas [ele apoia o queixo na mão e sorri], mas nesse momento a prioridade é a luta pela Venezuela. Falamos por videoconferência todos os dias. Logo elas poderão voltar.

Você não tem medo?

Não, eu teria medo de ter de ir a um hospital na Venezuela, ou sair às dez da noite caminhando por Caracas. Dá medo ter minha filha aqui, e ela não poder andar de bicicleta na rua. A normalidade na Venezuela acabou. Estamos lutando pela vida, é um debate de vida e morte.

Como seria o início de uma recuperação econômica?

Me preocupa muito a situação econômica, mas essa nós podemos recuperar rapidamente quando reconquistarmos a confiança. Já falamos com investidores fora que se dizem prontos a trazer seu capital para a Venezuela depois que se reestabeleça o estado de direito e a segurança jurídica.

O que mais o preocupa, então?

A presença do ELN [Exército de Libertação Nacional, guerrilha colombiana], assim como outros grupos criminosos, no território venezuelano. Isso impacta a economia e na segurança da Venezuela. Esse problema só aumenta porque Maduro já não controla mais parte do território.

Se terminamos com a ditadura agora, temos chance de fazer algo. Se deixamos que esses grupos plantem raízes, podemos ter um problema tão duradouro quanto o que tem a Colômbia com suas guerrilhas. Esses grupos são uma ameaça real para a estabilidade de toda a região.

Sempre que se pergunta a você sobre intervenção militar, a resposta é muito matizada, e nunca é um sim ou um não. Por quê?

É matizada porque é uma resposta responsável. Eu não excluo a intervenção militar, porque já está muito claro o que é o regime de Maduro. Mas essa seria a última opção. Antes é pressionar como seja possível para uma transição livre. Nós sempre oferecemos alternativas, diálogo, eleição, só que eles sempre se negam, se fecham. Por isso é que não excluo a intervenção, mas não é o modo como nós gostaríamos. (Sylvia Colombo/FSP)

Intervenção militar é última opção, diz Juan Guaidó, líder da oposição na Venezuela

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